segunda-feira, 28 de novembro de 2011

11 de Outubro de 2011

Sinto-o tão longínquo e ao mesmo tempo tão presente, o dia em que entrei na Clínica São João de Deus, para fazer a mamografia de rotina. Longe de imaginar a resposta, desvalorizando a dúvida, a verdade é que a dura realidade já teimava em se revelar. Algum tempo que já sentia um amargo desconforto na mama esquerda, uma tímida dor que de vez em quando se fazia sentir, um mamilo retraído, uma estranha comichão debaixo do braço, e uma "massa" dura que se incomodava sempre que lhe tocava. Chamo-lhe "massa" porque, sinto-o como tal e não como um caroço ou nódulo. Esperei mais de uma hora pela minha vez, não me lembro minimamente  por onde vagueou o meu pensamento nesse tempo de espera, porém uma certeza tenho, longe mas bem longe andava ele de imaginar sequer, que iria sair de lá com a certeza de tão dura realidade.  Perante a dificuldade da técnica em colocar o meu pequeno peito dentro das placas acrílicas do aparelho, brinquei descontraidamente para que ela não se sentisse embaraçada com a situação. Mas embaraçada ficou ela quando o meu mamilo esquerdo começou a sangrar com a compressão das placas, eu achei ou quis achar, que devia ser normal, depois de tanto aperto. Muito carinhosa, deu-me um lenço para me limpar e apreensiva disse-me para mostrar à Dra. Graça Barreiros quando entrasse.  
Entrei, a Dra. Graça Barreiros, um amor de pessoa que me acarinhou desde o primeiro segundo que entrei no gabinete dela,  olhou para a mamografia, para o meu peito, para o lenço manchado de sangue e depois para mim, olhou-me nos olhos com um olhar tão doce, que eu gelei. Para mim foi esse o momento, sem uma única palavra, eu fiquei a saber a realidade. Depois chamou novamente a técnica e muito firme, repreendeu-a, obrigou-a a repetir a mamografia. Lá fui eu, desta vez já sem animo para o que quer que fosse, o processo foi moroso, acho que eu própria queria que assim fosse. Não queria que aquilo acabasse, não queria voltar a entrar na salinha da Dra. Graça, não lhe queria voltar a ver o doce olhar... 
Com bastante dificuldade lá concluímos a mamografia e entrei novamente, não consegui reter nada do que a Dra. Graça disse, apenas que tinha que fazer uma biopsia, urgentemente. Fui fazer a biopsia 2 dias depois. Eram 18h00, quando cheguei à Clínica. A Dra. passou pela sala de espera, dirigiu-se a mim e disse-me que preferia que eu fosse a última porque queria ter todo o tempo só para mim. Entrei às 20h00. Estava muito bem disposta e descontraída, confidenciei o meu sério pavor a agulhas e como o medo me paralisa nestas situações o que facilita  sempre o trabalho do médico. Foram de uma doçura, as duas, muito queridas, muito atentas, rimos, falamos do Afonso e disto e daquilo . Sempre que o tema era mais técnico eu deixava de ouvir. Também não perguntei directamente, não sei se por falta de coragem ou por já saber a resposta.  No fim a Dra. Graça deu-me o envelope com as amostras para eu levar ao laboratório para análise, juntamente deu-me um cartão com o número de telemóvel dela, um abraço e um olhar de força e coragem. Não conhecia a Dra. Graça Barreiros, fiz a mamografia com ela, por indicação da minha médica ginecologista que me acompanhou a gravidez, a Dra. Fátima Palma. Na sexta feira, sentia-me abatida, física e psicologicamente. O Rui - mais à frente vou colocar um post sobre o Rui e eu - levou o envelope ao laboratório. O resultado, para mim era a mera confirmação de um resultado já anunciado, chegava por mail, 8 dias mais tarde. Hoje recordo esses 8 dias, como os piores que vivi, até ao dia de hoje. Eu sabia muito bem qual era a resposta que ia chegar, Cancro. O que eu não sabia, era nada de nada sobre cancro, a não ser o estigma associado à palavra. A certeza também a tinha, o carrossel ia iniciar a viagem e eu ia de olhos vendados.  Foram 8 dias de ansiedade, a dormir 2 horas por noite, a tentar adivinhar o que me ia acontecer. Foi muito difícil para mim conviver com a permanente dúvida do desconhecido. Tentando acalmar a ansiedade, lancei-me numa ávida busca de informação, e foi com tristeza que fui tomando conhecimento de outras realidades, iguais à minha, ao mesmo tempo que ia silenciando a minha ansiedade, encontrei também informação mais técnica sobre a doença, o que me ajudou bastante. No dia em que chegou o fatídico mail eu já sabia muito bem o que era o carcinoma ductal invasivo (prov. Grau II). De lágrimas nos olhos, a primeira coisa que me ocorreu foi ligar à Dra. Graça Barreiros, aliás foi por isso que ela me deu o numero de telemóvel. Nesse momento senti vontade de verbalizar e também de a ouvir. 
- Dra. Graça, recebi o resultado da biopsia, carcinoma, carcinoma é cancro, não é?
- Sim, Paula, tem que ter muito coragem, isso trata-se. 
- Dra., desculpe, mas agora o que faço a seguir, estou perdida, é a Dra. que me vai acompanhar? 
- Não Paula, tem que falar com a sua médica, a Dra. Fátima Palma, ela encaminha-a. Despediu-se com palavras encorajadoras e ainda perguntou pelo Afonso. A partir daquele instante percebi que não podia perder mais tempo, um segundo sequer, tinha que agir rápido, entender mais e mais do que tinha que enfrentar. Reunir forças, angariar coragem e iniciar a batalha. 
O pensamento foi ganhando força, não tinha mesmo tempo a perder, apesar de estar desempregada, da crise, da troika e tudo o mais estava feliz e confiante no futuro, com um filho maravilhoso, o ar que eu respiro, um marido que amo de paixão, uma família, os amigos, tinha que me livrar rapidamente deste cancro. Este tom é um borrão no arco íris da minha vida, pensei, não faz parte. E como não faz parte vai ter que ser erradicado. Vou lutar com todas as armas, com um sorriso sempre presente para me ajudar aliviar a dor. Foi neste estado de espírito que liguei de imediato para a Dra. Fátima Palma.O carrossel vai iniciar a viagem, mas eu é que vou ao comando. No dia seguinte o Dr. Henrique Nabais,  recebeu-me no Hospital da Luz de imediato criamos laços de empatia.
- Paulinha, isto cura-se, é nova e temos que iniciar rapidamente os tratamentos.
- Dr., quanto mais depressa melhor, isto não faz parte da minha vida e quero livrar-me dele rapidamente.
Da desconfiança de um nódulo na axila, que deu positivo, seguiu-se mais uma semana de exames. No dia 10 de Novembro fui chamada ao Hospital, tinha consulta marcada para dia 15 de Novembro, mas os resultados chegaram mais cedo. Reunidos os resultados, numa consulta multidisciplinar discutiu-se o meu caso e decidiu-se o tratamento. Explicaram-me tudo, o Dr. Henrique Nabais vai fazer a intervenção cirúrgica, marcada daqui a 5 meses, durante os tratamentos ia ser seguida pela Dra. Mónica Nave, oncologista.  Nesse mesmo dia, tive a primeira consulta. Cerca de 2 horas de consulta, onde me explicou tudo, respondeu a todas as minhas dúvidas e questões. 
Cancro de Mama localizado em estado avançado, nível III, mede 5,5 cm, está presente também num gânglio na axila, está localizado não avançou para nenhum outro órgão. O tratamento vai ser explosivo, do mais forte, explicou-me a Dra, e como o temor é grande vamos começar pela quimioterapia, 6 sessões - 1 de  3 em 3 semanas, para diminuir.  A operação está marcada para Abril, na Primavera. Tenho depois que continuar com tratamentos de radioperatia e tomar um medicamento hormonal durante 5 anos. Senti-me tão feliz! Feliz  por me sentir acompanhada, por  o meu processo clínico ter avançado com rapidez, porque os médicos também sentiram que eu não tinha um minuto a perder. Feliz porque, passado um mês, ia finalmente começar a minha batalha com o Cancro da Mama. 

3 comentários:

  1. Olá Paula....quero que saibas que tenho uma prima que teve um cnacro como o teu e graças a Deus está curada...agora só toma um comprimido por dia para pervenção....o que quero dizer com isto é que tu vais conseguir ganhar mais este desafio.
    Beijinhos grandes

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  2. Olá Nela, eu também acredito, com muita fé, que vou ficar bem. Vai ser uma longa caminhada, ainda agora estou no início. Estou ciente que vou ter que conviver com dias melhores e outros piores. Mas vai correr tudo bem.
    Um beijinho grande.

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  3. Olá Paula:
    Bem vinda ao "clube"!!! Fez ontem um ano que tive identico diagnóstico!!!
    O desgaste emocional é muito grande (foi o que me custou mais e não os tratamentos, nem as cirurgias)...o vermos as pessoas que mais amamos no mundo a sofrer!!!
    Mas já vi que temos uma guerreira. É fundamental a fé e a esperança que melhores dias virão!!!
    beijinhos grandes
    angela marinheiro

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